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Quando eu desci as escada daquela praia vendo de longe a galera acenando pra mim, eu tive a certeza que felicidade tem nome e se chama amigos. Apesar de todas as lutas que cada um de nós tinha travado até àquele momento, nenhuma delas havia sido superior a nossa irmandade. No entanto, depois de algum tempo de curtição, euforia e muita bebida eu estou aqui, pensando sozinho numa gastura só. Me chamo Levi, tenho 31 anos, sou advogado e vou contar pra vocês como a bebida minou minha liberdade, bicho…

Quando eu tinha dezenove anos, iniciando o curso de direito na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), eu conheci uma galera pocar. Eu sou do interior do Espírito Santo, de uma cidade chama Marechal Floriano, esse é o nome do segundo presidente do Brasil rs, mas a cidade em si é tão pequena que não é conhecida por quase ninguém, diferente dele. 

Continuando, eu ingressei no curso de direito e meu sonho era viver a universidade de acordo com as ideias que eu sempre alimentei na minha cabeça. Entrar na UERJ significou muito mais que conseguir a possibilidade de ter uma profissão. Bicho, ela significou uma vida nova, uma transformação pessoal, porque eu deixei o Levi adolescente pra trás para viver tudo que o Levi homem poderia experimentar, como a liberdade por exemplo.

Como todo morador do interior eu cheguei de mansinho, tímido e observando mais que me mostrando pras pessoas. Eu queria ver como eram as pessoas no Rio, conhecer mais das gírias faladas por eles, entender o comportamento das meninas, pra aos poucos ir me enturmando. Mas isso tudo aconteceu quase que automaticamente e de forma natural. Quando eu me dei conta já estava no meio de um grupo e eu me sentia querido ali, bicho.

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A minha vida tomou outro rumo. Eu passei a estudar e a sair, sair, sair, beber, beber, beber, beber, e eu curtia demais aquilo tudo. Era felicidade sem fim… Nunca pude ser eu, me sentir livre e aceito. Parece que a universidade dá um pouco desse sentimento pra gente, de aceitação, conquista, sei lá bicho, algo assim.

Sei que, com o passar o tempo, minhas amizades aumentaram. Eu já não queria mais voltar pra Marechal pra ver meus pais porque perder o fim de semana era uma das piores coisas do mundo. Eu queria mesmo era curtir, namorar, beber, e chegar na faculdade trocando as pernas, porque eu fiz isso muitas vezes.

Literalmente eu curti essa vida por três anos. Quando eu estava com vinte e dois anos e já no terceiro ano de direito decidi mudar um pouco minha vida porque entraria logo depois na fase dos estágios e precisaria ter compromisso com horários, estar descansado pra chegar nos escritórios, coisas assim. Acontece que parar com essa vida se tornou uma decisão difícil, não pelas pessoas e os compromissos em si, mas sim, porque eu não consegui parar de beber como tinha acostumado.

Agora tudo havia mudado de rumo, eu precisava seguir por outra direção, mas já estava tão acostumado a sentir a vida através da bebida que meu mundo pareceu perder a cor.  Como ser descolado sem tomar uns cinco latões de cerveja? Como ficar tranquilo pra estudar sem beber meia garrafa de vinho em casa? Tudo isso e outras coisas corriqueiras que eu fazia bebendo com os amigos, passaram a ser atividades sem graça e eu me sentia tanto ansioso como entristecido por não estar consumindo a bebida. 

Nessa época estava namorando a Patrícia e ela já havia percebido meu hábito de beber e me deu uns toques, mas eu como sempre achei super desnecessário e continuei curtindo a vida. 

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Aos poucos fui percebendo estar fora de controle. Era difícil ficar bem sem qualquer tipo de álcool, eu me sentia sozinho, inseguro, ansioso e entristecido. Nesse período eu estava um pouco afastado do pessoal e percebi que retornar às festas como era seria até bom, mas não me ajudaria a superar o que estava acontecendo. A gota d’água aconteceu quando eu tive uma crise ansiosa e me auge do desespero pensei em me jogar do viaduto na linha do trem. Foi uma experiência horrível.

Eu tinha vergonha de assumir pra mim mesmo aquilo. É difícil aceitar que você não consegue controlar algo tão banal pra maioria das pessoas, mas que pra você não é. Foi assim, percebendo aos poucos minha dificuldade em parar de beber que conversei com a Patrícia e comecei a terapia.

Mas desde aquela época eu passei por altos e baixos e também por uns cinco psicólogos nesses oito anos até chegar neste que estou atualmente. Com ele eu faço terapia há seis meses, e olha tem sido um divisor de águas pra mim. Eu tenho compreendido muitos pensamentos que me levam à bebida. Estou entendendo melhor os sentimentos que surgem. Tem sido bom, acredito que vai me ajudar muito a superar isso tudo.

Hoje eu já sou advogado formado e trabalho num escritório chapoca aqui no Rio. Eu me mudei pra cá de vez depois de formado e estabeleci minha vida aqui. Me casei também e tenho uma filha. 

As coisas têm se ajustado…   

 

Nenhum de nossos contos retrata o caso de algum paciente atendido por nós. Trata-se de uma ilustração da vida cotidiana, de histórias que motivam pessoas a procurarem terapia/psicoterapia.

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Maicon Moreira
Maicon Moreira
Psicólogo (CRP 05/54280), Doutorando e Mestre em Psicologia pela UFRRJ e Especialista em Psicoterapia Cognitiva. É leitor autodidata da obra do psiquiatra Carl Gustav Jung. Tem interesse nos seguintes temas: Psicoterapia Cognitiva, Psicologia Analítica, Violência Psicológica, Saúde Mental, Memória Social, e Formação do Masculino. Trabalha como psicoterapeuta utilizando abordagem integrativa em atendimentos Online (videoconferência).

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