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Imagem do site pixabay.com

Eu me chamo Regina, tenho 48 anos, e a história que eu vou contar para vocês aconteceu há 12 anos, quando eu ainda morava em Porto Seguro, no Estado da Bahia, e precisava a todo custo me divorciar.

Com 19 anos eu precisei me unir ao meu ex-esposo. Ou seja, como muitas meninas do nosso Brasil eu me casei jovem, infelizmente. Na época, namorávamos há seis meses e logo pulamos para a parte de dividir a vida e as responsabilidades. De início pareceu ser uma boa decisão, mas rapidamente as coisas mudaram…

Sabe, eu me casei por amor… Apesar da crítica de muitas pessoas durante bons longos anos, não me arrependo de ter feito o que achava ser melhor pra mim na época. Eu continuo acreditando nas relações positivas e no amor romântico. Só porque muitos casamentos não dão certo significa que esse amor não existe? Eu discordo! É difícil mesmo encontrar pessoas com os mesmos valores, que desejam estar com alguém ao lado, mas elas existem, eu sou prova disso rs.

Eu não me apaixonei pelo Celso logo que o vi pela primeira vez. Não foi amor à primeira vista como muitos vivem ou dizem existir. Tudo aconteceu aos poucos. A gente foi se envolvendo, se encontrando em dias e momentos diferente e assim o coração foi ficando quentinho.

Foto de Cabana Toa Toa, Porto Seguro: entrada - Tripadvisor

Imagem encontrada no google imagens.

Nos conhecemos em Porto Seguro num quiosque famoso de lá chamado Toa Toa. A gente tinha alguns amigos em comum e eles nos apresentaram num dia festivo.

O Celso chegou pra mim como um homem dos sonhos. Eu o vi assim, confesso. Não consegui perceber de forma diferente. Hoje acredito que isso tem a ver comigo mesma, com minha forma de ver o mundo, de acreditar nas pessoas, e de valorizá-las sempre que recebo atenção. E ele era assim o tempo todo, muito carinhoso. Além disso, ele me pareceu um cara trabalhador, educado, e próximo de sua família, ou seja, praticamente tudo o que sempre ouvi da minha mãe pra buscar em um homem eu enxerguei nele, na época.

Tudo foi maravilhoso no início, e acho que é assim para todo mundo, né? Pelo menos pra mim foi… E até hoje eu lembro com muito carinho de vários momentos porque me envolvi e vivi aquele período com muita verdade e sentimento. Eu me entreguei, confiei, senti… foi o que tinha que ser.

Sabe, a gente namorou pouco tempo. No todo, foram seis meses até o casamento porque eu engravidei da Aline e logo pulamos para essa segunda etapa da relação. Apesar de eu gostar de tudo o que estava vivendo, nesse momento senti a minha vida sair de minhas mãos. Foi como se eu tivesse parado de decidir por mim. Lembro até hoje de falar com Celso da gravidez e ele de pronto falar: “…então vamos casar…”. Não tivemos uma conversa sobre isso, foi decido e eu me deixei levar. Claro que era um tempo diferente de hoje e uma gravidez fora do casamento era mal vista, mas ainda assim me senti sem poder de escolha, apesar de me sentir grata pela atitude dele.

Imagem do site pixabay.com

Quando fomos morar juntos eu me percebi impactada pela decisão que tomamos. A minha vida mudou da água para o vinho. Um dia eu estava solteira, sem compromisso com nada, apenas namorando e curtindo a vida, e no outro me deparava com uma casa, marido e uma filha pra dar conta.

Eu pensava tantas coisas… “é normal viver isso, toda mulher viverá…”, “não dá pra ter uma vida diferente”, “Será que eu dou conta de tudo isso?”. Sabe, eram muitas ideias boas e ruins numa cabeça só e em determinado momento fiquei tão abalada com essa virada de chave que desenvolvi uma depressão pós-parto. Os primeiros sintomas da depressão surgiram depois do nascimento da Aline, e a partir daí começamos a vivenciar as crises no casamento.

O Celso é médico, mas ele não percebeu nada do que estava se passando comigo. Mesmo nos momentos mais difíceis ele parecia viver uma vida diferente da minha e não acreditava muito em meu sofrimento. Aos poucos fui percebendo nele um jeito diferente de levar a vida, de viver nosso casamento, e me senti frustrada por olhar pra ele e não encontrar o marido que eu desejava pra mim.

Hoje ele é médico oncologista, mas na época trabalhava dando plantão emergencial. Vivia um dia em cada lugar e em plantões de até doze horas sem parar. Assim, boa parte de seu tempo ele passava fora de casa longe da gente, enquanto eu me mantinha presa com Aline e as tarefas de dona de casa, e sempre sozinha.

Com esse distanciamento e as brigas que se tornaram corriqueiras meu estresse aumentou porque, além de ter a casa para cuidar, uma filha e ele, eu passei a ter que lidar com um casamento em crise, algo que eu não esperava viver tão cedo, na verdade, nem desejava viver…

E a depressão torrou o sentimento que nos uniu no início.

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Celso foi ficando cada vez mais insensível, distante e eu passei a cogitar que ele me traia com as colegas de trabalho. Por diversas vezes senti cheiro de perfume diferente em sua roupa, mas ele sempre alegava ser de alguma paciente pelo contato que tinha nos momentos de cuidado na emergência. Eu sofria com isso, porque eu creditava desconfiando e viver desse jeito foi péssimo pra mim. Estar com alguém pensando que você não é correspondida é terrível. Acho que ninguém deveria viver isso.

Mas, apesar desse sofrimento, da crise, eu mantive a relação e me esforcei pra fazer dar certo, afinal de contas, ele oferecia uma vida confortável para nossa família e eu valorizava esse conforto também. Por isso deixei o tempo passar e fui me organizando mentalmente sozinha e tempo depois fui me sentindo melhor e de certa forma posso dizer que me curei sozinha.

Com o passar dos anos as coisas deram uma melhorada, não passamos a viver um conto de fadas, mas vivíamos e tínhamos momentos bons, e assim depois de sete anos eu engravidei novamente. Para nossa surpresa, dessa vez tive dois filhos gêmeos, o Matheus e o Samuel. Celso acompanhou mais de perto o período pós-parto por serem dois meninos, ele desejava muito um filho menino, mas como na época da Aline, passado uns seis meses, novamente ele se distanciou e, infelizmente, eu passei a ter os sintomas da depressão numa intensidade mais forte.

Só quem já teve depressão pós-parto vai entender o que eu passei, é uma coisa terrível. Eu olhava para meus filhos chorando e não os reconhecia, eu pensava que eles não eram meus e me vinham muitos pensamentos ruins na cabeça. É desesperador.

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Quando eu percebi esses pensamentos na cabeça dividi com o Celso e ele friamente e de forma imediata tratou de me afastar das crianças e me levou a um amigo psiquiatra que prescreveu uma internação por 15 dias. Nossa… receber aquela notícia foi devastadora pra mim. Senti uma dor irreparável, que até hoje percebo o incómodo quando lembro. Imagina a dor de ter de ficar longe dos seus três filhos por quinze dias e saber que a culpa é sua? Eu chorei tanto, mas não tive outra alternativa a não ser seguir a indicação médica.

Os dias naquela clínica foram até tranquilos, porque não tinha muita coisa pra fazer, era terapia com psicólogos todo dia e calmante pra relaxar e dormir. Assim, aos poucos passei a me sentir um pouco melhor e lá mesmo comecei a pensar em minha vida, principalmente no meu casamento.

Depois dessa internação eu voltei mais tranquila pra casa. Com a ajuda da terapia e da medicação a fase mais aguda da depressão deu uma diminuída e consegui seguir com a vida como se nada tivesse acontecido. Mas, na verdade nada mudou depois disso, a vida voltou ao normal, mas nunca mais foi boa, eu nunca mais fui feliz, eu retornei somente para as rotinas triviais.

Depois desse episódio novamente pensei no Celso e no casamento e o quanto ele não era bem quem eu desejava pra mim. Eu desacreditava em seu amor e percebia certas atitudes para nos manter afastados, por isso a depressão continuou comigo e até mais agravada pela infelicidade na relação e a falta de autonomia para cuidar de minha própria vida. A depressão parece ser algo sem fim, tipo não ter fim, ela dá até tréguas, mas fica ali aguardando o momento certo para nos derrubar de novo. É um desafio aprender a lidar com uma vida desorganizada pela depressão.

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Com o passar do tempo, quando tudo isso já estava esclarecido em minha mente, eu passei a me estruturar para sair de casa. Nesse momento, a terapia foi importante porque me permitiu entender melhor o que eu sentia, a conseguir lidar com a depressão e a seguir com meus próprios desejos pessoais e planos.

Eu decidi não continuar porque pra mim não fazia mais sentido. A vida ficou sem graça, parecia uma farsa, ou apenas uma tabela preenchida. Para o Celso tudo parecia ótimo e ao mesmo tempo era tipo tanto faz. Pra mim não dava mais pra chegar ao final da vida sem se sentir prioridade, sem diálogo, afeto, não dava e não deu.

Partir para uma vida sozinha depois de anos de casamento e sem profissão foi difícil. Foi um momento conturbado pra caramba. Nada fácil. Mas era necessário pra eu respirar o ar da vida e me respeitar. Eu precisava olhar pro espelho e sorrir e conseguir imaginar o cheiro de uma vida melhor no futuro, coisa que não era possível ao lado dele, pelo menos eu não conseguia enxergar isso.

Muita coisa mudou com essa decisão, e eu cortei até o cabelo rs. Quem é mulher sabe o quanto isso representa pra gente…

Várias pessoas me chamaram de louca. E eu me senti louca mesmo por muito tempo. Inclusive, um dos meus filhos não aceitou muito bem nossa separação. Mas eu precisei seguir para me sentir viva, e a liberdade foi o primeiro passo pra esse início.

 

Nenhum de meus contos retrata o caso de algum paciente atendido por mim. Trata-se de uma ilustração da vida cotidiana, de histórias que motivam pessoas a procurar terapia/psicoterapia.

Se quiser falar comigo ou se estiver à procura de ajuda para si ou para alguém entre em contato.

Maicon Moreira
Maicon Moreira
Psicólogo (CRP 05/54280), Doutorando e Mestre em Psicologia pela UFRRJ e Especialista em Psicoterapia Cognitiva. É leitor autodidata da obra do psiquiatra Carl Gustav Jung. Tem interesse nos seguintes temas: Psicoterapia Cognitiva, Psicologia Analítica, Violência Psicológica, Saúde Mental, Memória Social, e Formação do Masculino. Trabalha como psicoterapeuta utilizando abordagem integrativa em atendimentos Online (videoconferência).

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