Uma história sobre sempre mentir para se sentir feliz.

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Eu fui adotada quando tinha dois anos. Meus pais sonhavam em ter um filho e depois de longos anos tentando desistiram de sacrificar minha mãe com inúmeros tratamentos e foram em busca de adoção. Eu cresci num lar feliz, alegre, acolhedor. Eles sempre me trataram muito bem, me deram atenção, amor e tudo necessário para eu crescer e me tornar uma adulta saudável. Meu nome é Débora, tenho 21 anos, estou concluindo a faculdade de odontologia, e vou contar pra vocês quando comecei a mentir para me sentir feliz.

Como eu disse, eu fui adotada e meus pais me contaram quando eu tinha uns oito anos de idade. Confesso não ter entendido muito bem as explicações deles nessa época, foi tudo muito estranho. No fundo, eu tive a sensação de me sentir sozinha, mas não sei explicar o motivo.

Até então eu era uma boa aluna, eu conseguia me enturmar bem com as outras crianças, mas depois desse explicação eu não sei o que ocorreu, sempre passava na minha cabeça que alguém não me queria ou que me deixariam sozinha. Assim eu me recolhi, fui definhando e ficando isolada de tudo e de todos, desacreditando no amor de meus pais e no afeto que recebia dos amigos e também dos demais familiares. 

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Lembro de ter ficado assim por aproximadamente uns quatros anos e meio. Durante esse período eu não saí de casa pra absolutamente nada, eu ia apenas para a escola e retornava pro meu quarto. Foi um período difícil, eu percebia como as outras crianças e adolescentes me olhavam e sentia na pele a exclusão que eu tanto temia.

Meus pais se esforçaram ao máximo pra me ajudar. Eles foram muito presentes e me incentivavam a sair de casa e interagir com as pessoas, mas nunca obtiveram sucesso. Bem, depois de longos quatro anos nessa batalha de tentar me motivar a interagir, eles sugeriram mudarmos de cidade e eu aceitei, pois estava em constante sofrimento. Assim nós fomos para uma município menor, porém dentro do mesmo Estado, no caso, o Rio de Janeiro.

Nós alugamos uma casa praticamente no centro da cidadezinha e lá conheci muitos adolescentes de uma igreja que minha mãe passou a frequentar. Eu fui muito bem recebida por todos eles. Lembro de sempre ser convidada para alguns passeios depois dos cultos de domingos, mas de início recusava por me sentir deslocada e insegura. Esses adolescentes faziam parte das famílias com maior poder aquisitivo na cidade, então eu me sentia estranha porque não vivíamos a mesma realidade. No entanto, apesar do meu incômodo chegou um momento em que eu não tive mais como recusar, pois até minha mãe me empurrava pra esses eventos, então passei a ir mesmo sem jeito. Assim tudo começou…

Todos esses adolescentes tinham carro, os pais eram formados e bem sucedidos e eu me via sem assunto, sem história pra contar, sem nada de interessante como era a vida deles. Por isso, um belo dia eu contei uma mentira e fui a sensação da noite na lanchonete em que estávamos. Foi uma noite M A R A V I L H O S A… Eu lembro como se fosse hoje. Como eu ri, como me senti feliz, aceita, querida… foi demais.

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A partir daí eu me tornei uma espécie de mentirosa profissional. Eu percebi o quanto aquelas meninas e meninos gostaram da história que eu contei, então eu passei a contar várias histórias, algumas até eram de fato reais, mas a maioria, ou praticamente todas, tinham um fundo de mentira. 

Muitas vezes eu contava coisas simples, mas o intuito era ter assunto, era conseguir um espaço naquela roda de meninas metida e me sentir aceita com eu sempre quis ser. Desse modo, sempre que ouvia algo eu completava com uma opinião ou com uma história pessoal, e assim eu conseguia abertura entre eles e fui me tornando até uma jovem popular. 

Eu passei praticamente minha adolescência inteira mentindo. Mas eu menti tanto que passei até acreditar nas minhas próprias histórias. Antes eu fazia isso pra me sentir aceita entre os amigos, depois eu passei a fazer isso com todos, inclusive com meus pais. Da minha boca só saía mentiras e eu não conseguia me controlar. 

Tudo veio a baixo depois que eu conheci e comecei a namorar o Jônatas. Ele é o amor da minha vida, mas também o responsável por essa crise que eu estou vivendo no momento que, inclusive, me levou até um psicólogo e isso tem me ajudado a reconhecer algumas coisas e a buscar viver melhor sendo quem sou de verdade.

 A gota d’água se deu quando eu e ele terminamos e em meio ao desespero eu disse que estava com câncer de garganta. Ele ficou péssimo ao receber a notícia, me abraçou, pediu desculpas, disse que me amava e que desejava passar pela recuperação ao meu lado. Eu aceitei, nós nos relacionamos novamente como se nada tivesse acontecido e tudo continuou como estava.

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Entretanto, num belo dia, aproximadamente uns dois meses depois desse ocorrido, quando ele fez uma surpresa que me deixou muito feliz, ao chegar em minha casa no domingo ainda durante o café da manhã, ele tocou no assunto de forma despretensiosa com meus pais desejando saber detalhes do tratamento e tudo foi pro brejo.

Eu fiquei sem chão. Meus pais não tiveram reação e não conseguiram falar nada, eles apenas me olharam de forma feroz e saíram, depois conversamos e as coisas se acertaram. Mas entre eu e Jônatas tudo desmoronou até que a gente conseguiu encontrar uma trégua, eu aceitar o acompanhamento psicológico porque algo estava errado comigo.

Hoje está claro pra mim que eu desenvolvi um quadro obsessivo-compulsivo de mentir, conhecido com mitomania. É algo muito estranho e ao mesmo tempo difícil de lidar, como eu disse, essas histórias passaram a fazer parte de mim, até pro próprio psicólogo eu minto às vezes. Porém estou me esforçando pra mudar, porque essa necessidade de contar o que não é real só me afasta de quem eu sou de verdade.

 

Nenhum de nossos contos retrata o caso de algum paciente atendido por nós. Trata-se de uma ilustração da vida cotidiana, de histórias que motivam pessoas a procurarem terapia/psicoterapia.

Se quiser falar conosco ou se estiver à procura de ajuda para si ou para alguém entre em contato.

Maicon Moreira
Maicon Moreira
Psicólogo (CRP 05/54280), Doutorando e Mestre em Psicologia pela UFRRJ e Especialista em Psicoterapia Cognitiva. É leitor autodidata da obra do psiquiatra Carl Gustav Jung. Tem interesse nos seguintes temas: Psicoterapia Cognitiva, Psicologia Analítica, Violência Psicológica, Saúde Mental, Memória Social, e Formação do Masculino. Trabalha como psicoterapeuta utilizando abordagem integrativa em atendimentos Online (videoconferência).

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