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Oi, eu me chamo Demétrius, tenho 52 anos, sou pastor evangélico e vou contar um pouco sobre a dificuldade que me levou até o terapeuta.

Imagem do site pixabay.com

Então, marquei consulta com um psicólogo em junho de 2020, em plena a pandemia, porque o confinamento me deixou muito mal. Toda incerteza que rondava a vida na época me fez ficar preocupado demais e eu não sabia como ficariam as minhas atividades ministeriais, a comunidade terapêutica e também as pessoas que me seguiam e me enxergavam como exemplo. Eu sou pastor evangélico desde 2009, creio muito em Jesus, no milagre da salvação, mas confesso que foi uma responsabilidade grande conduzir o rebanho em meio à situação da pandemia e ao mesmo tempo dar conta de todas as contas e manter a comunidade em funcionamento. Eu me cobrei tanto e me esforcei o máximo possível pra conseguir lidar com a situação. Orei muito, de verdade, jejuei muito mesmo, todos os dias, fiz vigília com minha família e pedi ajuda à minha esposa nesse momento, mas cheguei ao meu limite e percebi isso quando estava sentindo novamente a vontade de fumar um baseado.

Eu fumei por 12 anos seguidos, dos meus 22 até os 34 anos. Foi um momento muito conturbado da minha vida, desorganizado, deprimente, onde minha dignidade havia sido jogada no ralo literalmente, uma época em que não desejo de forma alguma reviver. Cheguei a me tornar mendigo nas ruas do Rio de Janeiro, vivia como andarilho pelos bairros, dormia na rua e no período da noite por volta das 22h eu vasculhava os latões em busca de alimento. É difícil até de falar disso. Então, graças a Deus consegui vencer essa maldição e hoje sou liberto de tudo. A fé em Cristo me ajudou a encontrar sentido na vida. Hoje eu sou uma nova criatura e trabalho para que outras pessoas consigam a libertação também. Antes de Jesus entrar na minha vida eu não sabia realmente o que fazer dela, eu tinha muito medo, me sentia incapaz, eu desagradava meus pais, vivia perdido sem saber por onde começar a buscar refúgio e direção. Foi a fé que me trouxe um caminho e a Ele eu sou grato por tudo.

A mudança na minha vida começou quando eu me internei numa comunidade terapêutica pra usuários de drogas. Não, não foi nada fácil e com a minha permissão, me forçaram a ir, mas foi o melhor pra mim naquele momento. Eu cheguei até aquele lugar me sentindo a pior pessoa do mundo, mas logo de início fui acolhido por todos e percebi que não era o único a viver uma situação difícil. Em pouco tempo me enturmei e consegui seguir as rotinas do lugar. Lá tem hora pra tudo, a vida não é mole não. A gente acordava às 05h30 da manhã, os meninos ainda acordam, tinha que aguar a horta, preparar o café da manhã, tomar banho e se vestir e estar pronto para o culto às 08. É um lugar com disciplina e muita rotina.

Foi naquele lugar que eu encontrei Jesus. Pela primeira vez, de verdade, me senti aceito por alguém porque todos tinham uma história parecida. A maioria era usuário de drogas, alguns poucos de bebidas, mas a grande maioria mesmo vinha das drogas. Na terapia que acontecia 03 vezes na semana, a gente falava sobre o que sentia, era uma forma de apoiar um ao outro, dividindo a angústia de não conseguir usar a droga e se adaptar ao corpo limpo. Foi difícil me livrar, mas eu consegui graças a Deus.

Ao todo, minha internação durou 02 anos e meio, e quando decidi me desligar já estava reinserido na sociedade,  trabalhava e frequentava o culto numa igreja perto da comunidade. Ter sido ajudado por aquelas pessoas foi tão importante pra mim que eu enxerguei a minha presença lá como um chamado, assim o trabalho com usuários de drogas passou a ser uma missão de vida e por isso decidi estudar no seminário e continuar acolhendo outras pessoas.

Imagem do site Pixabay.com

A minha fé acabou nunca me tirando da comunidade, mesmo já morando fora, seguindo a igreja externa, trabalhando, estudando, namorando, eu permaneci na comunidade ministrando palestras, dirigindo os cultos, conversando com os funcionários, assim a minha vida passou a fazer parte daquela estrutura toda e esse vínculo me levou a assumir a direção da comunidade e lá estou há 08 anos. Então, desde os meus 44 anos lidero a equipe da comunidade no que tange aos cuidados administrativos e espirituais, além de pastorear uma igreja Assembleia de Deus.

Meu maior medo quando eu decidi buscar a ajuda terapêutica foi porque eu tentei de tudo espiritualmente, mas parecia que não era mais suficiente, minha angústia estava muito forte e a vontade de voltar a fumar também. Meus filhos e minha esposa começaram a reclamar do quanto eu já não dormia mais, vivia andando pela casa no período da noite e atrapalha as horas de descanso deles. O estopim pra mim foi quando digitei no google “tem como comprar maconha online no Brasil?” e isso me assustou porque voltar pra aquele passado eu não queria de jeito nenhum, não era justo comigo, com minha família e também com as pessoas que eu guio espiritualmente.

É pesado demais o trabalho pastoral. A gente carrega uma carga difícil, apesar de sermos sempre vistos como as pessoas controladas, felizes e bem sucedidas. Em partes, um pouco dessa visão vêm do próprio trabalho que a gente desenvolve porque as pessoas passam a nos enxergar como um alvo, um exemplo a ser seguido e manter essa posição é difícil pra nós. Como eu poderia dividir com os meninos da comunidade que eu havia fraquejado e já estava a ponto de pesquisar sobre a compra da droga. Imagina como ficariam os membros da minha igreja ao saberem que eu havia tido uma recaída. Nossa… isso seria péssimo demais, mas ao mesmo tempo eu vejo como uma possibilidade real, porque eu cheguei a cogitar isso, por isso procurar a terapia foi necessário. A fé não bastava mais, era preciso outro tipo de ajuda…

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No acompanhamento psicológico eu voltei a ter contato comigo mesmo, eu relutei um pouco a me conectar com quem eu era de verdade e aceitar que falar sobre meu passado, sobre minhas angustias de infância e adolescência eram necessárias para eu me entender como pessoa, como pastor que havia me tornado. Sempre corri de tudo que exigia exposição das minhas vulnerabilidades, porque no fundo no fundo eu me via como alguém incapaz de fazer algo, e toda a mudança que havia acontecido na minha vida parecia uma grande farsa, porque eu ainda me via como aquele drogado, morador de rua, o cara perdido.

Depois de certo tempo na psicoterapia percebi que manter minha posição ministerial e a administração da comunidade era uma forma de eu me conectar com essa pessoa que me tornei e a dizer pra mim todos os dias que eu podia ser aquilo também. Era o mecanismo utilizado para me afastar dessa angústia, desse medo, das frustrações que vivi quando mais novo e por isso me mantive lá reforçando essa nova verdade de vida em Cristo.

Hoje, continuo em terapia aprendendo a lidar com os sentimentos que tenho, a refletir sobre meus pensamentos e a fazer as pazes com minha história de vida. A fé me salvou de uma forma que não tenho palavras pra expressa tamanha gratidão, mas hoje eu tenho me salvado por meio dessa experiência e isso tem sido importante também.

Agora estou entendendo mais sobre as coisas que passam dentro de mim e permitindo que outras formas de ser tenham lugar em minha vida também. Tenho aprendido sobre como me senti errado e um fracassado a vida toda e o quanto me esforcei pra fugir disso e parece que não deu muito certo porque só mascarei tudo, só escondi, guardei e fingi que essas questões não existiam na minha história… É um milagre divino perceber tudo isso hoje e também é libertador, Deus faz a gente viver essas experiências pra provar que Ele existe e eu confio mais ainda em tudo que Ele é por me permitir viver esse momento…

 

Nenhum de meus contos retrata o caso de algum paciente atendido por mim. Trata-se de uma ilustração da vida cotidiana, de histórias que motivam pessoas a procurarem terapia/psicoterapia.

Se quiser falar comigo ou se estiver à procura de ajuda para si ou para alguém entre em contato.

Maicon Moreira
Maicon Moreira
Psicólogo (CRP 05/54280), Doutorando e Mestre em Psicologia pela UFRRJ e Especialista em Psicoterapia Cognitiva. É leitor autodidata da obra do psiquiatra Carl Gustav Jung. Tem interesse nos seguintes temas: Psicoterapia Cognitiva, Psicologia Analítica, Violência Psicológica, Saúde Mental, Memória Social, e Formação do Masculino. Trabalha como psicoterapeuta utilizando abordagem integrativa em atendimentos Online (videoconferência).

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